terça-feira, 17 de setembro de 2013

Notinha sobre Pollock - ensaio completo em SINAL DE MENOS #9 ON LINE


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DE UM PONTO DE VISTA CRÍTICO, o “devir-nômade” de Pollock esconderia em seu cerne a condição de um miserável devir-proletário, a posição social de instrumento/objeto do gozo do Capital, e que nada ganha em ser filosoficamente estetizada e inocentada.[1] Essa posição aparece dialetizada o mais literalmente possível num desenho de Pollock chamado War, de 1947.




(Fig.  Pollock, War, 1947, 52.4 x 66 cm. Tinta e lápis coloridos s/ papel.)

 

Embora pouco comentado, nele pode-se ver em ato a transição do concreto ao abstrato da produção pollockiana na massa de matéria acumulada ao centro. Ao futuramente hipostasiar as técnicas do all-over e do dripping, fechando virtualmente todos os poros e constituindo massas puramente formais-informais, Pollock as inutiliza como processo criador e construtivo. Tal qual no capitalismo, as forças produtivas invertem-se em forças automatizadas, virtualmente inúteis, como a arte, e principalmente destrutivas. As figuras inúteis se acumulam até o céu, a arte aparece como vão dispêndio de material. O posterior bloqueio da objetivação e da expressão do eu ou do espaço de representação vivido passa a expressar dolorosamente a ruína do representado. O artista revela a si e à própria sociedade como sujeito-sujeitado à substância do trabalho abstrato, reduzido ao puro gesto mecânico, pronto a ser deslocado de lá para cá a soldo do capital, no limite convertível numa massa descartável em campo de batalha. Exatamente isto em War: a conversão do vivo em morto ou em massa amorfa. Um homem e um boi sangrando são aqui lançados numa pilha de escombros putrefatos; outro ser é crucificado; nenhuma saída à vista. Em certo sentido, uma imagem dialética do processo de “proletarização do mundo”: a redução prática das qualidades naturais e humanas à pura substância de valor ou de corpos extermináveis pelo estado de exceção mundial na era atômica que então se consolidava. É assim que se pode retomar o aspecto sensível em sua obra.

(SINAL DE MENOS # 9, on line: www.sinaldemenos.org

[1] Deleuze & Guattari, op. cit., vol. 5, p. 57-9. Os filósofos estetizam o devir-proletário como uma espécie de benção: o “devir-nômade”, o “devir-animal”, o “devir-louco” e outros devires nietzcheanos modernos “inocentes”.