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DE UM PONTO DE VISTA CRÍTICO, o “devir-nômade” de Pollock esconderia em seu cerne a
condição de um miserável devir-proletário,
a posição social de instrumento/objeto do gozo do Capital, e que nada ganha em
ser filosoficamente estetizada e inocentada.[1] Essa
posição aparece dialetizada o mais literalmente possível num desenho de Pollock
chamado War, de 1947.
(Fig. Pollock, War, 1947, 52.4 x 66
cm. Tinta e lápis coloridos s/ papel.)
Embora pouco comentado, nele
pode-se ver em ato a transição do concreto ao abstrato da produção pollockiana
na massa de matéria acumulada ao centro. Ao futuramente hipostasiar as técnicas do all-over e do dripping, fechando virtualmente todos os poros e constituindo massas
puramente formais-informais, Pollock as inutiliza como processo criador e construtivo.
Tal qual no capitalismo, as forças produtivas invertem-se em forças
automatizadas, virtualmente inúteis, como a arte, e principalmente destrutivas.
As figuras inúteis se acumulam até o céu, a arte aparece como vão dispêndio de
material. O posterior bloqueio da objetivação e da expressão do eu ou do espaço
de representação vivido passa a expressar dolorosamente a ruína do representado. O artista revela a si e à própria
sociedade como sujeito-sujeitado à substância do trabalho abstrato, reduzido ao
puro gesto mecânico, pronto a ser deslocado de lá para cá a soldo do capital,
no limite convertível numa massa descartável em campo de batalha. Exatamente
isto em War: a conversão do vivo em
morto ou em massa amorfa. Um homem e um boi sangrando são aqui lançados numa
pilha de escombros putrefatos; outro ser é crucificado; nenhuma saída à vista.
Em certo sentido, uma imagem dialética do processo de “proletarização do
mundo”: a redução prática das qualidades naturais e humanas à pura substância
de valor ou de corpos extermináveis pelo estado de exceção mundial na era
atômica que então se consolidava. É assim que se pode retomar o aspecto
sensível em sua obra.
(SINAL DE MENOS # 9, on line: www.sinaldemenos.org
[1] Deleuze
& Guattari, op. cit., vol. 5,
p. 57-9. Os filósofos estetizam o devir-proletário como uma espécie de benção:
o “devir-nômade”, o “devir-animal”, o “devir-louco” e outros devires
nietzcheanos modernos “inocentes”.